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Luís Marques Mendes 07 de Maio de 2023 às 21:32

António Costa cometeu "o maior erro político desde que é primeiro-ministro"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a crise política com o desentendimento entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, o aniversário do PSD, a crise do custo de vida, entre outros temas.

O CUSTO DE VIDA E OS DEPÓSITOS BANCÁRIOS

  1. Primeiro: o cabaz alimentar com IVA 0. Segundo os últimos dados da DECO Proteste, neste cabaz constituído por 41 produtos, registou-se, entre o dia anterior à entrada em vigor do IVA 0 e o dia 3 de maio, uma descida de preço de cerca de 6%. As pessoas até podem não notar ainda a diferença nas suas carteiras. Mas os números mostram que a medida adotada pelo governo está a ter resultados. Boa notícia. 
  1. Segundo: o crédito à habitação. O novo aumento das taxas de juro pelo BCE vai significar necessariamente um novo agravamento dos encargos com o crédito à habitação. A situação é preocupante para muitas famílias. Vejamos o exemplo de um empréstimo de 100 mil euros, com Euribor a 12 meses. Entre maio de 2022 e maio de 2023, o aumento da prestação da casa é de 62%. Um aumento bom para os bancos, assustador para muitas famílias.
  1. Terceiro: os bancos portugueses em contraciclo com a Europa. Nos depósitos, os nossos bancos são, na Zona Euro, dos que pagam juros mais baixos aos seus depositantes. Só há um Pais pior do que o nosso. Ao mesmo tempo, nos empréstimos á habitação, exigem taxas de juro mais altas que a média da Zona Euro. Somos mesmo o 8º País da Zona Euro com juros mais altos. Uma situação legitima da parte dos bancos, que lhes garante mais lucros. Mas difícil de compreender por muitas famílias.

  1. Quarto: a fuga dos depósitos para os certificados de aforro. Nos primeiros três meses do ano, os bancos perderam 7,6 mil milhões de euros em depósitos. No mesmo período, os Certificados de Aforro aumentaram no montante de 9 mil milhões de euros. A principal explicação para esta evolução: os juros dos certificados de aforro são hoje quase quatro vezes superiores aos dos depósitos.

UMA CRISE POLÍTICA DESNECESSÁRIA

 

  1. Esta crise podia e devia ter sido evitada. É uma crise sem sentido: não ajuda a resolver problema nenhum e cria um novo problema. Já tínhamos a crise social, do custo de vida, da inflação, da perda de poder de compra dos salários e das pensões, do crédito à habitação. Agora, acrescentamos a todos estes problemas um novo problema: uma crise institucional entre órgãos de soberania. Ninguém compreende. É uma completa loucura.
  1. E, todavia, era tão fácil evitar esta crise. Em três momentos:
  • Primeiro, bastava que o Ministro João Galamba, logo que tudo começou, em vez de dar explicações esfarrapadas, tivesse saído do governo pelo seu pé, não se agarrando ao lugar.
  • Depois, bastava que o primeiro-ministro, mesmo antes de qualquer intervenção do PR, fosse coerente. Se considerou que o caso era deplorável e grave, devia ter agido em conformidade, substituindo o Ministro.
  • Terceiro, quando o Presidente da República pediu a demissão de Galamba, era de bom senso que o primeiro-ministro o tivesse finalmente substituído. O pedido era mais que justificado. Voltamos sempre ao exemplo de Jorge Coelho: não é coerente elogiar o ex-Ministro por assumir responsabilidades, mesmo não tendo culpa, e fazer o contrário em todos os outros casos.

 

  1. Como disse, e bem, o ex-Ministro Vieira da Silva, é precisa mais maturidade na governação. Com mais maturidade e um pouco de sentido de Estado esta crise surreal nunca teria existido. O País agradecia.

 

O CONFLITO COSTA/MARCELO

 

  1. A questão que intriga é esta: por que é que o primeiro-ministro resolveu "segurar" João Galamba? Ele é assim tão poderoso? Não. João Galamba foi apenas um pretexto. O pretexto que o primeiro-ministro encontrou para fazer uma rutura com o Presidente da República. Há meses que o primeiro-ministro andava incomodado com os discursos do Presidente da República sobre dissolução da Assembleia da República. Agora que o Presidente da República pediu a saída do Ministro, o primeiro-ministro achou que era uma boa oportunidade para bater o pé ao Presidente da República e mostrar quem manda.

 

  1. O primeiro-ministro até pode ter razão de queixa do Presidente da República nestas alusões à dissolução da AR. Só que a reação que teve foi completamente desproporcionada. Uma autêntica declaração de guerra. O maior erro político de António Costa desde que é primeiro-ministro.
  • Primeiro, fazer uma rutura ou "comprar uma guerra" com um PR nunca foi vantajoso para um PM. Muito menos com um PR que durante anos foi um aliado do Governo. A ideia de cooperação PR/PM foi sempre uma mais-valia para o Governo. Acabou a mais-valia.
  • Segundo, o PM pensou no curto prazo. Mas esqueceu-se do médio prazo. No curto prazo teve uma vitória. Mas foi uma vitória curta e de Pirro. Durou 48 horas e serviu só para animar as hostes. O problema é que no médio prazo vai ter pela frente um inferno ainda maior. Ficou mais isolado. Acrescentou aos problemas que já tinha um novo problema: um conflito com o PR.
  • Terceiro, em política nunca se deve menosprezar o interlocutor. Muito menos humilhá-lo. O PM fez o contrário. Menosprezou Marcelo. Até o tentou humilhar. Ferido na sua autoridade, o PR respondeu com o discurso mais duro e marcante do seu mandato. Marca o futuro do governo e da legislatura. Não se percebe como é que o PM, com a enorme experiência que tem, cometeu este erro.

 

CONSEQUÊNCIAS E DESAFIOS

 

  1. Desta situação há consequências e desafios. Comecemos pelas consequências:
  • Primeiro, o Governo tem um Ministro a menos. João Galamba, na prática, já não é Ministro. É um cadáver político que ainda mexe.
  • Segundo, uma remodelação profunda do Governo, como muitos pedem, passou a ser do domínio da ficção. Ninguém com prestígio e qualidade quer entrar num governo desgastado e com os dias contados.
  • Terceiro, o Governo fica mais fragilizado. Não queria que se falasse de dissolução, porque o fragilizava. Agora, vai passar a falar-se ainda mais: dissolução quando? A seguir à CPI? Antes das europeias? Depois das europeias? É a ideia de um governo interino e a prazo.
  • Finalmente, o Governo fica sob vigilância do PR. Foi Marcelo que o disse. Curiosamente, o mesmo que Jorge Sampaio fez ao Governo de Santana Lopes. Todos nos recordamos como tudo acabou.
  1. Isto não significa, porém, que o governo tenha acabado. Que tenha "ido ao tapete". Se a oposição pensar isso, estará a menosprezar António Costa. A cometer o mesmo erro que o PM cometeu em relação ao PR. O Governo tem agora um novo desafio: tentar governar melhor com condições mais adversas. Ter menos trapalhadas e mais resultados. É difícil? Sem dúvida, É impossível? Não. Há pessoas e organizações que funcionam melhor sob stress. Sem plano B. Passam a ser menos facilitistas. Mais exigentes consigo próprios.

 

DISSOLUÇÃO A PRAZO?

 

  1. Fazer a dissolução do Parlamento agora era impossível.
  • Primeiro, porque não se abre uma crise política no meio de uma grave crise social. Seria uma loucura.
  • Depois, porque fazer uma dissolução agora era acabar com a CPI à TAP. Seria um "crime" político.
  • Terceiro, porque uma dissolução neste momento soaria a "vingança" do PR. No plano do Estado, as coisas não se passam assim.
  1. Mas, no futuro, a dissolução da AR, goste-se ou não se goste, passou a tornar-se mais provável. Ela foi pré-anunciada esta semana. Sabe-se que acontecerá, não se sabe é quando. Sobretudo por uma nova razão: Marcelo ficou mais livre para dissolver. Ganhou liberdade de acção. Curiosamente, quem lhe deu essa liberdade foi o PM.
  • Até agora, o PR falava de dissolução, mas tinha uma grande dificuldade para a fazer: a relação política, institucional e até pessoal com António Costa. Que era uma relação muito forte e estreita. Ora, essa dificuldade acabou. O PM removeu-a ao decidir romper com o PR. Marcelo ficou completamente livre para dissolver.

 

  1. Mesmo assim, está nas mãos do Governo evitar eleições antecipadas. Solução: ter menos "casos" e mais resultados. Estancar a degradação que tem existido. Reganhar a credibilidade perdida. O caminho é estreito, mas há caminho.

O ANIVERSÁRIO DO PSD

 

  1. Há três semanas saudei aqui o aniversário do Partido Socialista, as suas celebrações e em particular o seu fundador, Mário Soares. De igual forma, faz sentido saudar hoje o aniversário do PSD, que ontem ocorreu. A estrela da "festa" foi Francisco Pinto Balsemão.
  • Foi uma boa escolha. Balsemão não é apenas fundador do partido. Tem sido sempre nas últimas décadas um exemplo de unidade. Ainda agora esteve a apoiar Luís Montenegro. Apesar de, nas últimas eleições directas, ter estado com Jorge Moreira da Silva.
  • E fez um discurso coerente, assertivo e de valores. Reforçando a ideia de que o PSD é um partido que tem de rejeitar simultaneamente o extremismo e o estatismo, apostar na sociedade civil e nunca descurar os eleitores moderados do centro.

 

  1. A vida política está muito acelerada. Neste quadro, o PSD, para ter sucesso, tem de saber fazer duas coisas:
  • Por um lado, evitar a tentação de sofreguidão pelo poder. De pressa de chegar ao poder. De sede de poder. Esta não é uma mensagem credível. Até pode ser contraproducente.
  • Por outro lado, acelerar a construção e apresentação da sua alternativa programática. Causas e rostos que possam ajudar a consolidar a ideia de mudança.

 

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