Tudo bons rapazes

A este caso agora descoberto hão-de somar-se centenas de outros por descobrir em muitos gabinetes ministeriais. Basta que se comece a puxar o novelo já que, felizmente, a informação é pública.

Foi notícia, pelas mãos de Sandra Felgueiras, o facto de a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, ter contratado para o seu gabinete, enquanto adjunto, um jovem de 21 anos. Realmente, segundo o despacho de nomeação publicado em Diário da República em 7 de Novembro, o jovem foi contratado em Outubro, poucos meses depois de ter terminado a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

O novo adjunto, à semelhança de todos os outros, auferirá uma remuneração bruta mensal de 3723,76 €, o que, em termos líquidos, se traduz em 2256,70 € mensais. Além disto, e por força do Decreto-Lei que regula a composição dos gabinetes dos membros do Governo, o recém-adjunto terá ainda direito a um suplemento remuneratório por exercer as suas funções em regime de disponibilidade permanente e isenção de horário correspondente a 20% da remuneração base, equivalente, pois, a mais de 700,00 € antes de tributação. Além de tudo isto, o Decreto-Lei dispõe que os membros dos gabinetes do Governo têm também direito a subsídio de refeição (que em 2022 rondará os 114,40 € mensais) e a ajudas de custo e de transporte nos termos gerais. Assim, grosso modo, estamos a falar de uma remuneração mensal bruta na casa dos 4582,91 € e de um salário líquido de 2684,33 € todos os meses, sem contar com subsídio de Natal e de férias.

Obviamente que esta notícia gerou escândalo na opinião pública, bastando, para chegar a esta conclusão, passar os olhos pelo microcosmo das redes sociais. Há boas razões para as reacções violentas a que fui assistindo, que sintetizo da seguinte forma:

  1. A idade: um jovem de 21 anos parece, para todos os efeitos, ser demasiado tenro para “prestar apoio político e técnico” a um membro do Governo, conforme determina a lei. Não está aqui em causa o mérito da pessoa em causa, que, aliás, com certeza será muitíssimo elevado; está apenas em jogo a maturidade de vida, psíquica, emocional e intelectual que, a bem ou a mal, só a experiência que vem com a idade permite adquirir. Numa palavra: são responsabilidades demasiado elevadas para um jovem tão novo.
  2. A experiência: o factor idade podia ser de algum modo mitigado se o nomeado apresentasse um currículo altamente qualificado do ponto de vista profissional ou académico. Não é, porém, esse o caso. Felizmente que os nomeados para estes cargos são obrigados por lei a escrever uma nota biográfica que é publicada no DR. Através dela ficamos a perceber que o jovem adjunto, além dos estudos, teve experiências no associativismo, fez um curso breve de contratação pública e um curso de defesa para jovens. Da nota biográfica não se retira, pois, qualquer experiência profissional ou académica relevante ou diferenciadora para o exercício das funções para as quais foi agora nomeado… e por tão elevado preço.
  3. O salário: o vencimento que o adjunto ganhará, apesar de tabelado, é, em rigor, muito superior ao salário de qualquer pessoa que, com a mesma idade e experiência, ingresse na função pública em qualquer das suas carreiras. Aliás, muito superior ao que a maioria dos jovens (bem para lá dos 21 anos) recebe, a acreditar num estudo da Fundação Calouste Gulbenkian deste ano que concluía que os jovens recebem salários cada vez mais próximos do salário mínimo. Só para se ter uma ideia, um interno (mais velho do que o novo adjunto), ao ingressar na carreira médica, tem como salário bruto 1585,26 €; um assistente graduado no topo da sua carreira tem um vencimento bruto de 3665,15 €. Se formos aos professores, a história repete-se e agrava-se: um docente no 1.º escalão recebe 1535,90 € brutos e, mesmo que chegue ao último escalão (o 10.º), não ganhará mais do que o adjunto da ministra.
  4. O partido: segundo o que foi noticiado, o jovem em causa está associada ao Partido Socialista ou, pelo menos, à sua juventude partidária. Não sei nem posso saber se essa circunstância tem ou não alguma relação com a contratação, determinando-a ou auxiliando-a. Sei, todavia, que isso não pode pesar excessivamente nas críticas que se façam. Na verdade, e com excepção dos técnicos especialistas, os membros dos gabinetes do Governo são pessoas da confiança política e tantas vezes pessoal dos respectivos governantes, pelo que não é de estranhar que existam abundantes relações com o PS, como em anteriores governos com o PSD/CDS-PP. Em todo o caso, e estando a maior parte da população excluída destes círculos, percebo bem o clamor de quem julga que um cartão de militante pode criar – e cria – discriminações positivas profundamente injustas para tantos outros com semelhante ou maior mérito.

É preciso, a este respeito, sermos francos: a este caso agora descoberto hão-de somar-se centenas de outros por descobrir em muitos gabinetes ministeriais. Basta que se comece a puxar o novelo já que, felizmente, a informação é pública.

Vista e revista toda a história, tenho somente a exprimir um choque e uma preocupação, ambos recorrentes. O choque vai para o facto de ninguém, em todo o Governo, mas principalmente no gabinete da ministra, se ter sentado durante dois segundos para reflectir se esta contratação era, em termos de percepção pública, uma boa ideia. Bastava um pingo de bom senso para concluir que não, mas numa maioria absoluta o bom senso e o bom gosto tende a ser pouco ou nenhum. A preocupação vai para as consequências que este tipo de casos tem para a credibilidade e a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. São estas situações, mal explicadas e vistas como profundamente injustas, que alimentam os populismos que o PS tanto se diz empenhado em combater. É pena que desta vez não o tenha feito!

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