Ainda sobre o controlo das rendas

O ministro Pedro Nuno Santos terá admitido estender o limite dos 2% à renovação dos contratos existentes. Esta medida, a ser aprovada, permitirá uma resposta a um problema social grave.

Nas últimas semana irrompeu no debate público o tema do controlo e regulação pública das rendas privadas. O leitmotiv terá sido a aprovação, pela Assembleia da República, da Lei n.º 19/2022, publicada no DR no passado dia 21.10.2022, que veio fixar um coeficiente de actualização das rendas de 2% que se aplicará aos contratos existentes.

Foi noticiado que o travão imposto pelo Governo ao aumento das rendas poderá levar os proprietários a recusar a renovação dos actuais contratos para, dessa forma, conseguirem aumentar as rendas aos novos inquilinos. Na verdade, o que estimula o comportamento dos proprietários, para além duma manifesta tendência especulativa, é o facto de o Governo não ter estendido o tecto dos 2% à renovação dos contratos existentes.

Num anterior artigo sobre o controlo das rendas referi o facto de existir um conjunto de países europeus que praticam o controlo das rendas, recorrendo aos sistemas de controlo de segunda e de terceira geração.

Os países que praticam a regulação de rendas de segunda geração são a Áustria, a Dinamarca, a França, a Irlanda, os Países Baixos e a Suécia. Em 2021, de acordo com o “The State of Housing in Europe 2021“, publicado pela Housing Europe, todos eles, com excepção da Irlanda, tinham um parque social de grande dimensão, isto é, cujo peso no conjunto dos edifícios existentes era maior ou igual a 19%.

Entre 2013 e 2020, estes seis países aumentaram a sua oferta de habitação social em 898 mil unidades, com recurso à construção de 685 mil novas unidades e à aquisição de 214 mil fogos vagos, tendo ao mesmo tempo reabilitado profundamente 1,17 milhões de fogos sociais. O sector social de arrendamento no conjunto destes seis países dá resposta a 8,872 milhões de famílias e a resposta do arrendamento privado abrange 11,386 milhões de famílias. A robusta intervenção pública não liquidou, nem afugentou, o investimento privado.

Os nossos vizinhos espanhóis, junto com a Suíça, a Escócia, a Polónia, a Noruega, o Luxemburgo, a Alemanha, a Bélgica e Chipre, integram o conjunto dos países que praticam regulação das rendas de terceira geração. Nesses países, apenas o aumento das rendas está regulado. No período referido, aumentaram a oferta de habitação pública em 316 mil fogos, ao mesmo tempo que reabilitaram 810 mil fogos. O parque do arrendamento social é de 11 milhões de fogos, enquanto o parque privado é de 26 milhões. Pesa neste desequilíbrio a política seguida pela Alemanha nas últimas décadas, alienando milhões de fogos sociais. O parque social representava, em 1991, 26% dos edifícios existentes. Essa percentagem baixou, em 2021, para apenas 3%. Esta alienação de habitação social determinou uma enorme escassez de habitação acessível.

Importa salientar o caso da França que, juntamente com a Irlanda, apenas autorizam a regulação da renda inicial nas maiores cidades, aquelas que atraem as dinâmicas especulativas associadas ao investimento no imobiliário, e que estão sujeitas a uma grande pressão sobre os preços do arrendamento. No caso francês, em 2015 estabeleceram um regime experimental – Loi Alur – que abrange 28 cidades cuja população é superior a 50 mil habitantes. Nessas cidades são identificadas as “zonnes tendues“, zonas sob pressão, nas quais se aplica “l'encadremente des loyers”, isto é, o plafonamento do valor a praticar no arrendamento. A intervenção pública além do plafonamento das rendas – função do tipo de zona onde o imóvel se localiza, de se tratar de um imóvel mobilado ou não, da data da sua construção e do estado de manutenção – introduziu a proibição do aumento das rendas quando existe uma mudança de inquilino. Regulou, ao mesmo tempo, a intervenção dos agentes imobiliários, estabelecendo um plafonamento para os seus honorários apenas dependente da localização do imóvel e da área habitável. Este regime tem sido sucessivamente prolongado, estando em vigor até ao final de 2023.

Esta solução pode ser facilmente aplicada em Portugal, que aprovou, em 2019, legislação para combater os devolutos em zonas de pressão urbanística, as chamadas ZPU. Algumas autarquias, caso de Lisboa, avançaram já com a delimitação das ZPU, o que facilitará a aplicação do plafonamento.

Na discussão do Orçamento de 2023, o ministro Pedro Nuno Santos, que recentemente tinha mostrado cepticismo sobre a eficácia da regulação das rendas, terá admitido estender o limite dos 2% à actualização/renovação dos contratos existentes. Esta medida, a ser aprovada, permitirá uma resposta a um problema social grave, evitando uma vaga de despejos socialmente inaceitável, e dará tempo ao Governo para estudar uma solução global para o mercado de arrendamento. Fazer depender a urgente actuação política de estudos necessariamente morosos representa uma demissão. Existindo uma sólida maioria política na Assembleia da República, basta vontade política para este tipo de regulação poder avançar.

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